“Ser jornalista não é apenas fazer perguntas, mas, acima de tudo, saber questionar. Para isso, é preciso ser livre e só através da educação é que nos tornamos livres”, reflete Virgílio da Silva Guterres, 54 anos, atual presidente do Conselho de Imprensa de Timor-Leste.
Virgílio, que se apaixonou pelo jornalismo enquanto estudava Engenharia Mecânica, também gosta de ser chamado por “Lamukan”, que significa pássaro azul, mas também pode ser interpretado como “la matenek ukun an/mesmo não sendo inteligente, o importante é a independência”.
Natural de Venilale, na ponta leste do país, desde cedo aprendeu o valor da educação na vida das pessoas. “Tens de ir para escola. Se não fores, esquece a tua luta. Só com a educação podes ser livre. Primeiro deves libertar-te a ti mesmo antes de libertar os outros”, disse-lhe uma vez uma amiga da mãe adotiva.
Estudou na escola Técnico-Vocacional de São João Bosco, em Fatumaca. Em 1989, decidiu continuar o curso de engenharia mecânica na Universidade de Malang, em Java Oriental, na Indonésia, mas não conseguiu concluir os estudos. Durante uma manifestação estudantil, ocorrida na semana seguinte ao massacre no cemitério de Santa Cruz, em 1991, foi preso em território indonésio, sendo libertado dois anos e meio depois.
Após sair da prisão, Virgílio pensava em retomar os estudos na universidade, mas foi “politicamente orientado” pelo então Secretário-Geral da Renetil, Fernando Lasama, a reorganizar uma rede de comunicação, em Jacarta.
Na altura, também veio a conhecer uma ex-jornalista indonésia presa durante 18 anos, 11 deles sem qualquer contacto com seres humanos. Para lidar com a solidão e não enlouquecer, a mulher desenhava pessoas e cenários da natureza nas paredes, comunicando-se com os desenhos que fazia.
A história e mais os ensinamentos da amiga da mãe adotiva são algumas das lembranças mais marcantes que Virgílio carrega na vida – memórias que o ajudaram a reconhecer a importância do jornalismo e da educação como instrumentos de transformação social.
“Mergulho” no jornalismo
Depois de participar de uma discussão com jornalistas de dois órgãos de comunicação social indonésios, Lamukan decidiu envolver-se com o jornalismo de vez. Juntamente com Mariano Assanami Sabino, foram escolhidos como participantes extraordinários numa formação de três meses, dirigida pelas dez melhores publicações universitárias. O primeiro mês foi dedicado ao Conhecimento Básico do Jornalismo; no segundo abordou-se o Conhecimento Crítico e no terceiro realizaram o estágio, altura em que recebeu o primeiro salário como jornalista.
Em 1998, ainda em Jacarta, Virgílio, Assanami e outros 50 profissionais timorenses participaram numa formação de base jornalística durante duas semanas. O grupo decidiu, então, criar um jornal chamado Talitakum (grego: levanta-te). O objetivo era “divulgar as informações em indonésio e informar a nova geração indonésia sobre os problemas em Timor”, lembra.
Um ano depois, Virgílio regressou a Timor-Leste, para acompanhar a campanha da consulta popular que veio a decidir a independência do país. Na ocasião, passou a colaborar para a Vox Populi, empresa especializada em pesquisas de opinião. “Durante esse período, corrigíamos com bastante rigor todas as notícias antes de as publicarmos. Era um período de muita tensão”, record.
Jornalismo: honestidade em primeiro lugar
Para Virgílio, o jornalismo requer mais do que inteligência ou coragem. “Primeiro, é preciso ser honesto, não fazer leilões de princípios”, diz.
O profissional reconhece a atividade jornalística como sendo “fundamental para o desenvolvimento de toda a humanidade”, porém, que a profissão “não é lugar para caçar riqueza”. Por essa razão, argumenta, apesar de outras oportunidades de trabalho, quer lutar pelo desenvolvimento do jornalismo em Timor-Leste.
Na avaliação do presidente do Conselho de Imprensa timorense, o dever do jornalista não é andar atrás dos políticos ou dos governantes, mas sim à frente deles, questionando-os, em nome dos cidadãos e do interesse público.
A política nunca deixou Lamukan e, por isso, se candidatou às eleições presidenciais timorenses deste ano. Olha para o país com críticas e fala dos políticos que em 2002 faziam aparições a limpar valetas e que, 20 anos depois, continuam a fazer o mesmo: “É porque alguma coisa está errada”. Expressa também preocupação sobre os baixos investimentos na área da educação em Timor-Leste ao longo dos anos. “Não investir adequadamente na educação não é negligência. É algo puramente intencional”, diz o homem que acredita no papel libertador da educação. (CLJ)
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